sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Não dormi em Bucareste






Cheguei a Bucareste na manhã de 3 de Agosto de 1993. Pelas 22h10, deixava Bucareste num comboio que tinha como destino final Varsóvia. Durante aquele segundo Inter-Rail, abandonava uma cidade onde chegara nesse mesmo dia. Não dormi em Bucareste. A ideia era apenas e só sair daquela cidade o quanto antes. Uma cidade pesada que ainda dava os primeiros passos na despedida de Ceausescu. Já se via uns poucos cleptocratas que se começavam a desenrascar, mas via-se muito mais gente perdida pelas ruas. Acabei por sair do comboio em Szolnok (Hungria). Na passada 2ªFeira, assisti a “Autobiografia de Nicolae Ceausescu” e lembrei-me de tudo isto.







Durante três horas sem narração, Andrei Ujica retrata o período entre a ascensão e a queda do ditador romeno. Desde a omnipresente Helena Ceausescu, a hipocrisia da política internacional com as visitas de De Gaulle e Nixon a Bucareste ou as recepções de Isabel II ou Carter a Ceausescu, está lá tudo. Até algum humor que, no meio de todo o cinzentismo, chega a ser perturbador. O desfile de coche nas ruas de Londres com Isabel II passa por um cinema que exibia “Garganta Funda”. Um baile do aparelho do PCR ao som de “I Fought the Law”. A visita aos estúdios da Universal durante a visita aos Estados Unidos. Mas o mais impressionante é assistir à pobreza intelectual de um homem a quem chamavam “Conducator”, equivalente romeno de “Duce” ou “Fuhrer”. O homem que enfrentou os líderes soviéticos em ocasiões como a Primavera de Praga ou o boicote aos Jogos de Los Angeles em 1984, passando pelas relações com a Jugoslávia de Tito ou a China, era o mesmo que revelava uma dificuldade de expressão tremenda. Veja-se o caso da Conferência de Imprensa aquando de uma cimeira internacional. O ditador limita-se a dar respostas redundantes. O mesmo homem que, em 1973, aquando do seu 55º aniversário, é agraciado com o título honoris causa da Universidade de Bucareste. No seu discurso de agradecimento, assiste-se a alguns segundos de humanidade ímpares durante as três horas de filme. Ceausescu recorda os seus falecidos Pais e as suas origens humildes. “De camponês a intelectual”, como refere... Vai à cimeira da OSCE dar “lições de democracia” redundantes. Nada explica. Limita-se a dizer “As democracias ocidentais têm muito que aprender com a democracia que estamos a construir na Roménia”...







Nenhum ditador sobrevive sem uma clientela de fidelidade canina. A melhor ilustração para essa fidelidade está nas imagens do XII Congresso do PCR em que um velho comunista de nome Parvulescu, do palanque, faz críticas duras ao ditador, sendo calado pelos cães-de-fila que enchiam a sala. Os cães-de-fila que consentiram na construção da “Casa da República”, o segundo maior edifício do mundo, logo atrás do Pentágono. Como refere o realizador Andrei Ujica, “um ditador é apenas um artista que é capaz de colocar em prática a plenitude do seu egoísmo". Infelizmente, esta não é uma característica exclusiva das ditaduras...

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